quarta-feira, 28 de julho de 2010

Saiba

Composição: Arnaldo Antunes

Saiba: todo mundo foi neném
Einstein, Freud e Platão também
Hitler, Bush e Saddam Hussein
Quem tem grana e quem não tem

Saiba: todo mundo teve infância
Maomé já foi criança
Arquimedes, Buda, Galileu
e também você e eu

Saiba: todo mundo teve medo
Mesmo que seja segredo
Nietzsche e Simone de Beauvoir
Fernandinho Beira-Mar

Saiba: todo mundo vai morrer
Presidente, general ou rei
Anglo-saxão ou muçulmano
Todo e qualquer ser humano

Saiba: todo mundo teve pai
Quem já foi e quem ainda vai
Lao-Tsé, Moisés, Ramsés, Pelé
Gandhi, Mike Tyson, Salomé

Saiba: todo mundo teve mãe
Índios, africanos e alemães
Nero, Che Guevara, Pinochet
e também eu e você

A libertação de Prometeu

Heiner Müller



Prometeu, que entregou o raio aos homens,
mas não lhes ensinou
como usá-lo contra os deuses,
porque participava das refeições dos deuses,
as quais,
divididas com os homens,
ficariam menos abundantes,
foi, por causa da sua omissão,
por ordem dos deuses,
por Efesto, o ferreiro,
fixado ao Cáucaso,
onde uma águia de cabeça de cão
comia diariamente
do seu fígado, que crescia sem cessar.
A águia, que o tomou por um pedaço
de rocha
parcialmente comestível,
capaz de pequenos movimentos
e de cantigas dissonantes
especialmente quando se comia dela,
defecou também sobre ele.
As fezes eram seu alimento.
Ele as passava adiante,
transformadas em suas próprias fezes,
para a pedra debaixo de si,
de maneira que,
três mil anos depois,
quando Héracles, o seu libertador,
subia a montanha despovoada,
já podia enxergar o algemado,
refletindo o brilho alvo das fezes da ave,
de uma longa distância,
mas,
repelido repetidamente
pelo muro do fedor,
circunvolteou a montanha por mais três mil anos,
enquanto a cabeça de cão
continuava a comer o fígado do algemado
e o alimentava com suas fezes,
de maneira
que o fedor aumentava
na mesma medida
em que o liberador se acostumava a ele.
Finalmente,
beneficiado
por uma chuva
que durou quinhentos anos,
Héracles pôde se aproximar
a uma distância de tiro.
Neste procedimento, ele tapava o nariz com uma mão.
Três vezes não acertou a águia
porque ele,
atordoado pela onda do fedor,
que caía sobre ele
quando tirava a mão do nariz
para retesar o arco,
fechava os olhos involuntariamente.
A terceira flecha feriu o algemado levemente no pé esquerdo,
a quarta matou a águia.
Contam
que Prometeu chorava alto por causa da ave,
sua companheira de três mil anos
e seu sustento por duas vezes mil.
Devo comer as suas flechas,
ele gritava,
esquecendo de que conheceria outros alimentos:
Você sabe voar,
camponês,
com seus pés de bosta?
E ele vomitava
por causa do cheiro do estábulo que se fixara em Héracles
desde que ele limpou os estábulos de Augias,
porque a bosta fedia até os céus.
Coma a águia, disse Héracles,
mas Prometeu não conseguia captar
o sentido de suas palavras.
Também sabia muito bem
que a águia fora a sua última ligação com os deuses,
e que suas bicadas diárias
eram a memória deles nele.
Mais ágil do que nunca em suas correntes,
ele xingou seu libertador de assassino,
e tentou cuspir em sua cara.
Héracles,
curvando-se de nojo,
procurava enquanto isso as algemas
com as quais o furioso estava ligado a sua prisão.
O tempo, o clima e as fezes haviam tornado
carne e metal indistinguíveis
e ambos da pedra.
Afrouxados pelos movimentos violentos do algemado,
eles tornaram-se, então, reconhecíveis.
Constatou-se que eles foram corroídos pela ferrugem.
Somente no sexo a corrente juntou-se à carne,
porque Prometeu, ao menos
nos primeiro dois mil anos na pedra,
de vez em quando ainda se masturbava.
Mais tarde,
provavelmente
ele também esquecera o seu sexo.
Da libertação ficou uma cicatriz.
Facilmente
Prometeu teria podido libertar-se, ele mesmo,
caso não tivesse tido medo da águia,
sem armas e exausto dos séculos
como estava.
Que ele tinha mais medo da liberdade
do que da ave,
mostra seu comportamento durante a libertação.
Gritando e espumando de raiva,
com dentes e unhas
defendeu suas correntes
contra a investida do libertador.
Liberado,
de quatro sobre as mãos e os joelhos
chorando na tortura do movimento
com seus membros entorpecidos
ele gritou por um lugar tranquilo na pedra,
debaixo das asas da águia,
sem nenhuma mudança do local
além das decretadas pelos deuses
através de terremotos
ocasionais.
Mesmo quando já podia andar erguido
opôs-se
à descida
como um ator
que não quer sair de seu palco.
Héracles teve de carregá-lo nos ombros
montanha abaixo.
Mais três mil anos demorou a descida até os homens.
Enquanto os deuses arrancavam a montanha do chão,
de maneira que a descida
parecia mais uma queda
por causa do turbilhão das pedras,
Héracles carregava sua presa preciosa,
aconchegada a seu peito, como uma criança,
para que não sofresse danos.
Pendurado no pescoço do libertador,
Prometeu indicava-lhe a direção dos projéteis,
com voz baixa,
de modo que eles puderam evitar a maioria deles.
Nesse entretempo ele reafirmava,
gritando alto contra o céu
escurecido pelo turbilhão da pedras,
a sua inocência da libertação.
Seguiu-se o suicídio dos deuses.
Um a um, jogavam-se do seu céu,
sobre as costas de Héracles
e esmagavam-se nas pedras.
Prometeu esforçou-se
para voltar a seu lugar no ombro do libertador,
e assumiu a postura do vencedor,
que sobre o cavalo encharcado de suor
cavalga de encontro ao júbilo da população.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Sashimi

Ontem, aniversário de um grande amigo, fomos comer num resturante de comida japonesa.
[Recomendo]
Como diz uma amiga nossa,comemos um ai-kissopa e pela 1ª vez comi o tal sashimi [o famoso peixe cru].
É uma sensação única, só quem experimentou sabe.

O primeiro pedaço é tenso... no segundo você já se acostuma e começa a apreciar os sabores, os condimentos... quando você começa a gostar do negócio... acaba.
O pior de tudo é comer com aqueles pauzinhos... mas a gente aprende...
Que venham os próximos peixes crus!

sexta-feira, 16 de julho de 2010

VIII

Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas…
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas.
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou –
«Se é que ele as criou, do que duvido» –
«Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres.»
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.
A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.
A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.
Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?

Alberto Caeiro - O Guardador de Rebanhos

terça-feira, 13 de julho de 2010

Depois de séculos...

Desculpa aí pessoal que persegue este blog...
Depois de séculos sem escrever, volto a publicar neste espaço que esteve abandonado às moscas.
Espero, agora, manter uma regularidade de postagens.

Axé.