sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

A palhaça e o palhaço*


Pepe Viyuela

O palhaço e a palhaça são embaixadores da esperança em um mundo que perde a alegria pelas feridas abertas pela fome, violência, guerra, globalização econômica. Essa globalização que inverte valores e obstrui os direitos e a liberdade dos seres humanos.

A palhaça e o palhaço viajam do país remoto da infância e se mostram a nós com seu nariz vermelho e uma maleta velha em que tudo cabe, da qual tudo pode surgir, graças à qual tudo é possível.

O palhaço e a palhaça recuperam os velhos aromas da infância perdida à qual eles podem retornar. Representam o último intento em defender-nos da lógica dos adultos, essa lógica que declara guerras, comercializa armas, inventa a dívida externa, provoca a pobreza, propicia a exploração infantil, consente em mortes por AIDS, arruína os recursos do planeta...

A palhaça e o palhaço se afastam daquela lógica adulta e se refugiam na ingenuidade infantil que não compreende aqueles discursos. Inventam uma nova linguagem e onde existe guerra, eles falam de diálogo; onde há armas, semeiam flores; onde se fala em dinheiro, antepõem seus valores; o terceiro mundo, chamam de primeiro porque ele o é em necessidades; e do primeiro dizem, sensivelmente, pouca vergonha.


É engraçado quando acusam a palhaça e o palhaço de ver o mundo ao revés, e eles respondem que a vista da direita não funciona muito bem. A palhaça e o palhaço colocam diante do rosto daqueles que crêem que são poderosos demais para esboçar um sorriso, um espelho que os mostra tal como são: ridículos.

O palhaço e a palhaça são um reduto de liberdade para os seres humanos robotizados pela tecnologia, idiotizados pela “cultura” de massa, agoniados pelo mundo maltratado.

A palhaça e o palhaço seguem o caminho traçado pela imaginação e pela poesia e se pintam ingênuos, amáveis, tolerantes, coloridos, em frente aos homens e mulheres tristes em que ameaçamos nos converter.

O palhaço e a palhaça propõem sorrisos onde outros impõem a linguagem das armas; invocam a tolerância através de seu ser diferente, excluído; representam os marginais e os marginalizados em uma sociedade que repugna o estranho, o de fora.

A palhaça e o palhaço batem à porta de todos e aí procuram a festa que falta.

O palhaço e a palhaça nos recordam que atrás dos rostos de pedra dos caminhos, sempre habita um sorriso que pode fazer-nos felizes.

A palhaça e o palhaço não são nada sem o outro.

*livre tradução de: La payasa y el payaso. in Pallasos: una mirada humana del món – Recopilació de Textos al voltant de la Mostra Internacional de Pallas@s de Xirivella.

Um comentário:

  1. que postagem maravilhosa, me tocou tanto e remeteu uma passagem de um livro que estou lendo

    "Os palhaços sempre falam da mesma coisa, eles falam da fome: fome de comida, fome de sexo, mas também fome de dignidade, fome de identidade, fome de poder... No mundo clownesco há duas possibilidades: ou ser dominado, e então nós temos aquele que é completamente submisso, o bode expiatório, como na commedia dell'arte; ou dominar, e então nós temos o chege, o clown branco, o que dá ordens, aquele que insulta, aquele que faz e desfaz".

    *Palhaços - Mário Fernando Bolognesi.

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